“Uma
carta sobre cabelo”
Hoje em dia não tenho mais tanta
vontade de sorrir, como tinha naquele tempo que você trançava meu cabelo e
arrancava minha roupa. Lembra-se?
Parecíamos duas borboletas voando
entre os lençóis, éramos tão jovens...
Ontem eu cortei meu cabelo. Foi
como passar uma faca no meu peito... Mas os cravos estavam murchos e as rosas
já não tinham um cheiro muito agradável... Os galhos estavam secos... Não tenho
mais tanta vontade de sorrir.
Lembra aquela noite luminosa? O céu
negro e profundo... Eu e você, no calor de nossos braços, dormimos no telhado.
Pela manhã, você trançou meu
cabelo, e nos abraçamos forte. Era cinco e pouco da matina, o violeta
mesclava-se com um rosa queimado trazendo o sol, e nós dois no telhado, éramos
tão jovens...
Ontem eu dormi no sofá, entre um
tanto de contas atrasadas e cartas de amor. Estava frio, e não tinha seus
braços morenos pra me aquecer, pensei que ia morrer de frio, mas não morri.
Hoje já não sou tão jovem, meu
cabelo não é tão bonito e sinto muito frio...
Lembra quando você tirava rosas
dos meus cachos? Onde é que você está?
Estou com abstinência dos seus
beijos e de como você apertava a minha mão. Mais que isso, sinto falta de
quando acordávamos no domingo de manhã e antes de irmos à praia, você tirava
orquídeas amarelas do meu cabelo e enfeitava a mesa da sala.
Onde você está? O telhado é tão
frio sem você...
Amor... E se não nascer mais
flores em meu cabelo? È que ontem estava com tanta raiva de você... Odiei-te
tanto, por sair e não deixar um bilhete avisando se pelo menos voltaria me
deixar nesse frio cortante, que cortei! Cortei tudo... E agora?
Será que sobrevivo sem meu jardim
na cabeça? Será que sobrevivo sem você?
Lembra de quando você disse que
teríamos uma filha? Eu queria te-la nesse momento,talvez não me sentiria tão
sozinha ou com tanto frio... Nós éramos tão jovens.
Amor lembra-se das margaridas de
verão? Nessa época a gente tinha dormido naquele sofá velho que ficava em cima
da laje, você adora tirar as margaridas do meu cabelos e me dar de presente,
sorrio ao lembrar disso. Eu não sorria há tanto tempo...
Enfim, minhas flores murcharam,
meus sorrisos morreram, minha filha nunca a tive, o telhado é frio... Você
nunca me pertenceu...
Amor, só lembrando, avise-me
quando for voltar ( sei que não fará isso, sei que não vai voltar) para eu
deixar meu cabelo crescer pra você trança-los e sermos jovens novamente.
Está saindo uma raiz! Se conheço
bem... só pode ser um lírio! Estou rejuvenescendo amor!!! Sem você.
Onde você está? Você adorava os
lírios.
O Sol se pôs e você não voltou...