sexta-feira, 18 de abril de 2014

CARTA I

                   “Uma carta sobre cabelo”

Hoje em dia não tenho mais tanta vontade de sorrir, como tinha naquele tempo que você trançava meu cabelo e arrancava minha roupa. Lembra-se?
Parecíamos duas borboletas voando entre os lençóis, éramos tão jovens...
Ontem eu cortei meu cabelo. Foi como passar uma faca no meu peito... Mas os cravos estavam murchos e as rosas já não tinham um cheiro muito agradável... Os galhos estavam secos... Não tenho mais tanta vontade de sorrir.
Lembra aquela noite luminosa? O céu negro e profundo... Eu e você, no calor de nossos braços, dormimos no telhado.
Pela manhã, você trançou meu cabelo, e nos abraçamos forte. Era cinco e pouco da matina, o violeta mesclava-se com um rosa queimado trazendo o sol, e nós dois no telhado, éramos tão jovens...
Ontem eu dormi no sofá, entre um tanto de contas atrasadas e cartas de amor. Estava frio, e não tinha seus braços morenos pra me aquecer, pensei que ia morrer de frio, mas não morri.
Hoje já não sou tão jovem, meu cabelo não é tão bonito e sinto muito frio...
Lembra quando você tirava rosas dos meus cachos? Onde é que você está?
Estou com abstinência dos seus beijos e de como você apertava a minha mão. Mais que isso, sinto falta de quando acordávamos no domingo de manhã e antes de irmos à praia, você tirava orquídeas amarelas do meu cabelo e enfeitava a mesa da sala.
Onde você está? O telhado é tão frio sem você...
Amor... E se não nascer mais flores em meu cabelo? È que ontem estava com tanta raiva de você... Odiei-te tanto, por sair e não deixar um bilhete avisando se pelo menos voltaria me deixar nesse frio cortante, que cortei! Cortei tudo... E agora?
Será que sobrevivo sem meu jardim na cabeça? Será que sobrevivo sem você?
Lembra de quando você disse que teríamos uma filha? Eu queria te-la nesse momento,talvez não me sentiria tão sozinha ou com tanto frio... Nós éramos tão jovens.
Amor lembra-se das margaridas de verão? Nessa época a gente tinha dormido naquele sofá velho que ficava em cima da laje, você adora tirar as margaridas do meu cabelos e me dar de presente, sorrio ao lembrar disso. Eu não sorria há tanto tempo...
Enfim, minhas flores murcharam, meus sorrisos morreram, minha filha nunca a tive, o telhado é frio... Você nunca me pertenceu...
Amor, só lembrando, avise-me quando for voltar ( sei que não fará isso, sei que não vai voltar) para eu deixar meu cabelo crescer pra você trança-los e sermos jovens novamente.
Está saindo uma raiz! Se conheço bem... só pode ser um lírio! Estou rejuvenescendo amor!!! Sem você.
Onde você está? Você adorava os lírios.
O Sol se pôs e você não voltou...


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